quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Do Irão e Portugal. Modern and perennial Iran.

((((As outras mensagens que estavam neste blogge passaram para o intitulado "Pedro Teixeira da Mota", embora algumas ainda não estejam republicadas)

O Português que visita o Irão fica agradavelmente surpreendido ao encontrar um povo muito cordial, uma paisagem muito rica e diversificada, como por exemplo desde o mar Cáspio à montanha sagrada de Davodan ou ao deserto de Farz,  e uma arquitectura deslumbrante, além de míriades de riquezas que os museus e livrarias, bazares e lojas apresentam de artes decorativas e livros, tapetes e panos, condimentos e alimentos, etc, etc.

A imagem estereotipada que certos meios de informação ocidentais veiculam de um Irão fanático, pobre e atrasado é substituída imediatamente por uma grande estima e admiração por um povo que, sujeito há poucos anos a uma guerra mortífera vinda do vizinho Iraque, e agora às sanções internacionais, consegue resistir unido e firme, e manter tanto características culturais milenárias como um dinamismo e optimismo verdadeiramente contagiantes.




Quem chega a Teerão cedo se apercebe da riqueza esfuziante da capital, com tanta população como Portugal inteiro, e com uma vida cultural, económica e social de grande qualidade, pois a população é maioritariamente jovem e a sede de conhecimento é enorme, havendo uma ampla gama de oferta de bens culturais, nomeadamente livros, palestras, espectáculos musicais, teatro, museus, já que o nível cultural do Irão é muito elevado, com raízes milenárias fecundando-o maravilhosamente e fazendo-o desabrochar na era da informática como um dos países com maior número de bloggers e com uma literatura, música e cinema mundialmente reconhecidos.

Quem começa a conhecer e a tornar-se amigo dos Iranianos e a penetrar, como convidado, nas suas casas compreende rapidamente quais são os pilares da sociedade, despe-se de preconceitos e regras, e é acolhido com simpatia, generosidade e amor, pois são estas as características de um povo e de uma cultura que tem nos seus grandes poetas, tais como Hafez e Saadi, os sacerdotes da religião do Amor que fecunda a vida dos casais, famílias, escolas e crianças, estas tão graciosas na sua inocência como sagazes na sua curiosidade.

Há de facto um grande culto dos seus poetas maiores, donde emergem destacados Ferdouzi, Hafiz e Saadi, deles quase se podendo dizer  que são os profetas do Irão, contribuindo para um Islão menos árido ou dogmático, pois como sabemos  no Irão a população é Indo-europeia e não árabe e na quase totalidade são Shiitas, os que seguem a linha dos descendentes do Profeta Maomé, isto é, da sua filha Fátima (outro motivo de aproximação luso-persa…) e Ali, seu marido, e 1º Imam dos doze Imams, sendo por várias razões  mais devocionais, humanos e místicos que a generalidade dos Sunitas, para não falarmos dos fanáticos e perniciosos wahabitas, reflectindo-se isto no culto dos “amigos de Deus” (Walyat Allah), os santos ou mestres que frequentemente quando morrem são enterrados tanto em humildes como em maravilhosos santuários que atraiem milhares de devotos, crentes da capacidade desses intermediários entre o Grande Oceano ignoto da Divindade, ou a majestade imensa de Deus e a Humanidade.
Assim, em muitas mesquitas, o ponto central não é tanto a sala de oração ou mesmo os mirhabs ou nichos de adoração, virados para Meca, mas sim os santuários onde o corpo do santo, num mausoléu riquíssimo, serve para os fiéis se fortificarem, esperançarem ou exaltarem, tocando com as mãos nas grades e pedindo as bençãos divinas (barak), sob mil luzes reflectidas dos candeeiros nos azulejos, vidros e mosaicos das paredes e tectos, deslumbrantemente coloridos, talhados ou caligrafados, tudo contribuindo para uma  abertura e sensibilidade maior ao Ser Divino e à sua Unidade espiritual omnipresente…


As mesquitas são sem dúvida a mais elevada manifestação artística e religiosa, talvez a par da pintura iluminada de livros manuscritos, com dezenas de elas encantando-nos, desde as mais antigas e simples às quinhentistas e seiscentistas da época aurea do Irão séfavida (1501-1736), quando os Portugueses com os Persas mais se interrelacionaram e dialogaram. Não é pois sem alguma emoção que se visita a cidade de Isfahan, onde tantos momentos valiosos desse encontro Luso-Persa aconteceram, e onde ainda há vestígios, nomeadamente em igrejas,  museus ou em palavras.
Ao contrário do que alguns pensam o povo do Irão é de uma hospitalidade e de uma simpatia imensas, algo do que os viajantes portugueses da época dos Descobrimentos já testemunhavam, de António Tenreiro a Pedro Teixeira, e mesmo ao nível religioso ele soube acolher as diferentes religiões e ainda hoje as tem representadas no seu Parlamento, e que tanto podemos visitar ou comungar nos seus templos. 
Mas talvez possamos dizer ainda assim que a grande religião do Irão é já a universal do Amor (da Natureza, dos seres humanos e da Divindade), tão bem cantado pelos seus dois vates maiores Saadi e Hafiz, que são verdadeiramente profetas nacionais, existindo em toda a casa iraniana exemplares das suas obras que são consultados amiudamente, em especial quando há hesitações na decisão a ser tomada e se faz então o Istixara (que é realizado também com o Alcorão), a abertura à sorte de uma página e que dará a resposta ou sugestão...
Mas, além do constante manuseio amoroso dos livros poético-sagrados, encontrei nos breves vinte oito dias de peregrinação ao Irão muitas pessoas que me recitaram de cor vários poemas persas, onde significativamente a metáfora ou a imagem do vinho do Amor é constantemente empregada, tendo originado comentários dos grandes místicos sobre a luz e os estados expandidos de consciência que simboliza. 
E quando ouvimos a música iraniana, ou podemos consultar com calma a secção dos Cds de uma das livrarias da Book City, observamos como esses poetas, tais como Ferdousi, Mevlana Rumi, Saadi, Hafez e outros, são ainda hoje muito musicados e recitados, em vozes magníficas, profundamente evocadoras das mensagens e sentimentos de poetas imortais...

Como fui fazer algumas palestras em Universidades privadas de Teerão e Shiraz e numa pública, religiosa, na cidade santa de Qum, pude observar a boa saúde anímica dos alunos, as modelares instalações e a grande aspiração ao conhecimento, para além da fluência em inglês e o diálogo franco e espontâneo, tudo manifestando a grande civilização Persa ou Iraniana…
Versaram as minhas palestras sobre os poetas místicos Saadi e Hafiz, sobre o relacionamento Luso-Persa e sobre o encontro dos portugueses com o Islão, seja no Continente seja no Oriente, e os seus resultados em termos de aprofundamento dos conhecimentos e do diálogo interreligioso, o que hoje mais do que nunca deve ser apoiado tendendo à formação de uma alma ecuménica geral, o que podémos bem sentir nos estudantes e professores de Teologia e de  Comparativismo Religioso em Qoom, e também nas suas investigações e publicações, entre as quais destacamos uma recente tradução do Tao Te King , da Imitatio Christi e de obras do teólogo protestante Karl Barth.

Se a alimentação cultural e espiritual deste povo é tão variada e de tão boa qualidade não devemos estranhar então a excelência dos seus produtos, tanto artísticos, dos quais destacaremos os tapetes, as miniaturas pintadas, a caligrafia e as artes decorativas, como alimentares, nomeadamente condimentos, pickles, frutos secos, fruta, yogurtes e que nos são abundantemente oferecidos e a preços muito acessíveis, em especial nos feéricos bazares das mil e uma noites. Certamente que a culinária é muito apreciada, tal como a pastelaria, e sobretudo o pão, integral, achatado, cozido rapidamente em forno de lenha  e logo passado para as mãos das pessoas que os levam frescos para suas casas ou locais de trabalho e os saboreiam…

 Dos jardins, dos perfumes de rosa, jasmin ou outras flores também nada se pode acrescentar ao que contam as histórias e lendas ainda hoje escorrendo no real e amplamente visíveis e sentidas em jardins e canteiros modelares…

Sendo tantos os pontos de atracção histórica e turística no Irão, só estive e posso dar testemunho de três cidades e da  capital Teerão,  esta construída a partir sobretudo do séc. XVIII, rodeada a norte de altas montanhas sempre nevadas, bem temperada e muito agradável na Primavera e no Outono. Mas a alta antiguidade Iraniana, com mais de dois mil anos, pode ser sentida e admirada, por exemplo, nas míticas ruínas de Persepolis (que percorri) ou a cidade Yadz, zoroástrica e com templos ainda de adoração ao fogo e a Ahura Madza, o Senhor Sábio. 
Mas outras há como Meshad, capital do Khorasan e uma das cidades mais santas do Islão, onde se encontra o túmulo do 8º Imam Ali ibn Musa Al-Ridha, e de riquíssima qualidade histórico-cultural.  Também imperdíveis são então Isfahan e a sua pintura, mesquitas, palácios, bazares, pontes, rios e banhos públicos e, depois, Shiraz, a capital do distrito a sul, Farz, a terra do nascimento e morte de tantos poetas e místicos, dos quais peregrinei os mausoléus de Hafiz, Saadi e Ruzbehan, numa cidade encantada cheia de jardins, mesquitas e bazares.

Se passarmos para os costumes actuais, nomeadamente os que “pesam” sobre as mulheres, sentirão as portuguesas demasiado opressivo terem de usar um lenço sobre a cabeça, ou não andarem com as pernas à vista, e apenas dentro de casa ou do hotel poderem tirar os lenços e estarem mais à vontade? Certamente que não, e tal sinal de respeito e de civilidade será facilmente adoptado e até se admirará nas Iranianas a capacidade de usarem os lenços e as roupas com tanta beleza e qualidade, que parecem mais belas ou atraentes do que estando de pernas e cabelos à vista.

É o Irão fanático religiosamente? Não, não o é. Entrei para orar em várias mesquitas, em todas fui bem recebido, em algumas senti o perpassar da benção divina sobre os que a invocam, mas se algumas estavam mais concorridas outras já não, podendo estarem a ser radiodifundidos os apelos de oração e  apenas um número pequeno de pessoas optar por afluirem a elas. E ao lado das muitas mesquitas há as igrejas, os templos zoroástricos e as sinagogas, havendo plena liberdade de culto para estas religiões consideradas como tendo Livros Revelados por profetas, dos quais Mahomed será o último  selo, ainda que os Iranianos, enquanto Shiias ainda admitem ou aguardam a vinda do Imam escondido, o 12º Iman, o Madhi.

É, porém, maioritariamente um povo religioso, crente? 
Sim, isso certamente, de grande fé em Deus e nos seus Imams, santos ou mestres, que ainda hoje são muitos comemorados e que, no caso de estarem vivos e de serem grandes ayatolas ou ainda mestres espirituais, atraem e dão à luz muitos peregrinos (salik) no Caminho do Amor e da Sabedoria, de Irfan (a Gnose).

Assim caminhar, viajar, estar no Irão é entrar na corrente do Amor que desde há séculos e séculos é vivida e cantada pelos seus poetas e aprofundada e ensinada pelos seus filósofos e místicos, ainda hoje continuando nas novas gerações, presenteando-nos com a possibilidade de experienciarmos encontros, diálogos ou sorrisos de grande qualidade anímica e assim de vivenciarmos uma das doutrinas da mística iluminativa da Pérsia que é a Shahid, a testemunha Divina. Significa que há seres que dão testemunho do Divino em alto grau, ou que mais reflectem a Sua Beleza ou o Seu espírito de dádiva e sacrifício, e são assim canais privelegiados Dele, assim intensificando em nós o amor e a gratidão por participarmos na história da Humanidade, onde o Irão desempenhou papéis tão importantes e fabulosos (e lembremo-nos do rei Ciro, chamado no Antigo Testamento de Messias,  autor da talvez primeira declaração dos Direitos Humanos), e em que na História do Futuro certamente os continuará a desempenhar criativa e poderosa,  luminosa e amorosamente….